sábado, 30 de outubro de 2010

O Dito por Não Dito

Depois de ter anunciado que teríamos um política de ensino da língua e cultura portuguesas para os EUA, Canadá e Venezuela, com o Instituto Camões a ouvir parceiros e a pôr em prática essa política com estratégias e programas específicos à nossa realidade, o Secretário de Estado das Comunidades acaba de chumbar tudo. A culpa: o estado da economia portuguesa.
Em 2009, o Secretário de Estado das Comunidades, António Braga, que tutela o Instituto Camões, anunciou que a rede do EPE (Ensino de Português no Estrangeiro), em funcionamento há anos na Europa e na África do Sul, iria ser alargada aos Estados Unidos, ao Canadá e à Venezuela. Agora dá o dito por não dito. A notícia dada pela agência LUSA a 27 de Outubro (portanto há poucos dias) com o título: Orçamento do Instituto Camões impede alargamento da rede do português no estrangeiro, é indicativa que em Portugal, desde governo a sindicatos, ninguém vê as comunidades para além da Europa. Aliás, já o tinha vivido na pele quando estive no Conselho Das Comunidades Portuguesas, e foi uma das razões porque não me recandidatei.
Segundo foi anunciado pelo sindicalista João Dias da Silva, o Instituto Camões vai ter uma redução no seu orçamento, daí que terá, segundo disse à LUSA " de gerir melhor o menos dinheiro que vai ter, garantindo sempre que tem de haver oferta de EPE com qualidade”. Claro que esqueceu-se de dizer, ensino da língua portuguesa, pago pelo governo português, para a Europa e apenas para a Europa. Portanto, uma redução no orçamento não significa que haverá reduções na Europa, para se implementar a rede nos EUA, no Canadá e na Venezuela, significa sim que a Europa tem supremacia e os emigrantes e luso-descedentes nos Estados Unidos, no Canadá e na Venezuela, continuarão como emigrantes e luso-descendentes de segunda classe. Nem que não o soubéssemos. Nem que não fossemos, na vasta maioria, gente descendente de ilhéus, dos Açores, bem longe do terreiro do Paço.
É do conhecimento geral que Portugal atravessa uma grande crise (económica e identitária) e que a ordem do dia é reduzir nos gastos públicos. Porém, se o Senhor Secretário de Estado das Comunidades quisesse ser justo, retiraria uma fatia do bolo à Europa e implementaria, mesmo em menor escala, a rede nos EUA, Canadá e Venezuela. Mas pedir justiça a este Secretário de Estado é pedir demais. Já há muito que sabemos que é uma palavra que não utiliza, não a conhece.
Sabe-se também que os votos aqui no continente norte-americano, para as legislativas portuguesas, não são muitos, e cada vez serão menos, mas a implementação de uma rede de ensino jamais deveria estar relacionada com os votos que se possa, ou não, conseguir para os deputados pela emigração para a Assembleia da Republica.
Sabe-se ainda que nas nossas comunidades, infelizmente, pouco ou nada se dirá sobre o assunto. Os nossos líderes, mais preocupados com a corrida às condecorações, continuarão a convidar o senhor Secretário de Estado para os seus banquetes, desfiles e romarias. E ele aceitará e numa viagem à América gastará o suficiente para se colocar livros adequados em várias escolas comunitárias.
Esta medida não vem matar o ensino da língua e cultura portuguesas nos EUA e Canadá. Nem por sonhos. Desde sempre, que o ensino da nossa língua e cultura passa pelo esforço das comunidades, dos professores, e de alguns líderes (muito poucos) cuja visão vai além do vedetismo que andam a procurar e que, infelizmente, estraga muita gente. Porém, há que ser-se realista: se queremos a perseverança da nossa língua e a nossa cultura temos que ter escolas que a ensinem. É que o nosso movimento associativo ainda não compreendeu que sem estabelecimentos de ensino, onde a nossa língua e a nossa cultura estejam presentes, as comunidades, pouco a pouco desaparecerão, ficarão diluídas no "melting pot" americano.
Utilizando uma metáfora terceirense: há que pegar o touro pelos cornos. Há que pegar no futuro das comunidades, hoje. Há que o fazer sem o paternalismo e a condescendência das entidades portuguesas. E há que ornamentar as nossas festas com o que temos de bom nas nossas comunidades. Aliás, não seria má ideia que cada vez que acharmos por bem convidar um político para os nossos eventos, convidássemos um politico do mundo norte-americano, mundo esse, quer queiramos, quer não, somos parte integrante, ou pelo menos é o mundo das novas gerações, das comunidades do amanhã de manhã.

sábado, 5 de junho de 2010

À beira do fim de mais um ano lectivo

Aqui em Tulare, longe de muitos dos barulhos que se fazem no mundo de hoje, dou aulas de língua e cultura portuguesas numa escola secundária e no “community college” –um tipo de escola de educação superior, que como poderão saber, são, para quem quer tirar uma licenciatura, os primeiros dois anos dum curso universitário. É que Deus proíba de alguém em Portugal dizer que um “community college” é uma universidade, porque dentro da comunidade poderá cair o “Carmo e a Trindade.” Mas dizia eu, que aqui nesta pacata cidade, onde quase nada acontece (e por um lado, ainda bem), temos realizado nas últimas semanas alguns eventos que envolvem os nossos alunos de língua e cultura portuguesas, no ensino secundário, e particularmente os que fazem parte da associação estudantil SOPAS—Society of Portuguese-American Students. Têm sido actividades de índole cultural, básicas, claro, mas que tentam congregar à volta do futuro da comunidade, a juventude, e no seu próprio ambiente, na escola que frequentam todos os dias, a nossa cultura, os nossos costumes, a nossa gastronomia, a nossa música, as nossas tradições.
São pequenos fragmentos das nossas vivências culturais, trazidos pelos pais ou avós (na vasta maioria avós e bisavós) destes alunos, vivências já mescladas com as cores dum inevitável americanismo, mas que na sua essência, possuem elementos fulcrais da identidade cultural luso-americana. São acontecimentos dentro das instalações escolares, ou em outros espaços do “mainstream” americano, para que os jovens possam compreender que a cultura, nos seus vários espaços, pode ser vivida, quotidianamente, não importa onde estejamos. E que para se celebrar o nosso legado cultural não precisamos de estar num espaço fechado. Num espaço que queremos que seja só nosso e de mais ninguém. Um espaço que não pode ser penetrado por outros grupos étnicos. É que apesar dos anos e das novas gerações esatrem mais libertas, a nossa liderança comunitária ainda tem cheiro a mofo de sacristia.
Os jovens, no seu espírito rebelde e irreverente, começam pouco a pouco a descobrir que no mundo americano, o seu mundo, e quer queiramos quer não o nosso mundo (refiro-me à geração que de Portugal emigrou muito nova e já está integrada, pelo menos a nível profissional, no “mainstream” americano), há espaço para celebrarmos, melhor vivermos (com o seu próprio tempero) sem dramatizações nem preconceitos, o nosso próprio legado cultural.
E por acreditar nos ideais de uma América multicultural, das potencialidades de uma juventude americana de ascendência portuguesa consciente da sua identidade, preparada para a viver no seu dia a dia, sem ficar circunscrita aos tradicionais guetos sociais das comunidades, o seu legado cultural, dedico as horas que posso, e que vão um bocado além da obrigação profissional (mas nunca me queixei disso, nem nunca me queixarei), para que ao longo do ano escolar, se façam várias actividades extra-curriculares promovend a cultura portuguesa. Para que a nossa juventude, par a par com os jovens de outras vivências culturais, possam estar preparados para a comunidade que se avizinha. É que a história dos grupos étnicos nos Estados Unidos, particularmente dos Europeus é extremamente clara: só quem tem capacidade de ir além do seu próprio gueto, seja ele físico ou social, é que tem sobrevivência cultural.
Nada disto, nestes reflexos, é verdadeiramente novo, mas em fim de ano lectico é bom que entre os jantares e os doces, numa época em que as famílias se reúnem para celebrarem as passagens de ano e as formações dos seus filhos e netos, porque não reflectirmos um pouco esta realidade que nos entra pelos olhos dentro, diariamente, mas que ainda não quisemos interiorizar: o nosso mundo de está cada vez mais americano, salpicado com algumas tonalidades portuguesas. Mas isso não é uma tragédia, aliás, só o será se persistirmos a fazer as mesmas coisas que fazíamos há 20 ou 25 anos, quando a comunidade era bastante diferente.
Repito o que já disse ad nauseum: as comunidades de origem portuguesa, como nós as conhecíamos há um quarto de século estão com os seus dias contados. Dentro das nossas organizações há que termos um espírito de abertura, de mudança e de novidade. Nas comunidades onde existem processos para se passar o nosso legado cultural através do mundo norte-americano, sem termos que estar fechados numa garagem, num quarto solitário, ou num espaço que é só nosso e de mais ninguém—há que aproveitarmos essas possibilidades, de estarmos preparados para que a cultura, as vivências culturais, tenham raízes suficientemente fortes para que possam crescer em outras latitudes, no seio de outras culturas e misturarem-se com outras experiências culturais.
Ouço por toda a parte o orgulho de ser português ou de se ser americano de ascendência portuguesa. Porém, é sabido que em muitos casos, e particularmente nos que têm responsabilidades nas nossas associações, isso não passa de um simples inchaço—um orgulho banal que, infelizmente só serve para alimentar, como ouvi algures: egos gigantescos de mentes minúsculas. Tenho alguma dificuldade em aceitar que no seio das nossas associações culturais, como assim se auto-dominam, haja mesmo esse orgulho (no bom sentido da palavra, porque é uma palavra bastante perigosa), quando os próprios responsáveis dessas associações não se cultivam cultural e intelectualmente, e até se prezam em diminuir quem o faz. Vejamos: quais dos directores das ditas associações se esforça para saber a história dos seus antepassados? Quantos tentam aperfeiçoar os seus conhecimentos culturais aprendendo o valor das artes, de todas as artes, desde a literatura às artes plásticas, da música (toda a música e não só a tradicional) à gastronomia. Quais os que gastam tempo e energia num debate sério, honesto e descomplexado sobre as nossas vivências culturais, o que foram, o que são e o que poderão ser? Quem é que quer pensar a sério sobre o futuro da língua e cultura portuguesas neste estado?
São reflexos num ano escolar que termina e duma comunidade que se gera, sem sabermos bem como havemos de lidar com ela. Mas não é assim tão dificultoso, apenas exige que sejamos cultos, que aceitemos a mudança, que tenhamos coragem de penetrarmos o “mainstream” americano, que utilizemos os espaços e as oportunidades que as instituições públicas desta sociedade nos oferecem, que não fiquemos pelas nossa tradicional letargia, que imaginemos as nossas raízes culturais em outras latitudes.