sábado, 15 de setembro de 2012


E lá se foi a KIGS

 

            Em 1937, ou seja 17 anos após José Vitorino ter começado (1920) o primeiro programa de rádio em língua portuguesa na Califórnia, na cidade de Stockton, batizado com o nome de Vasco da Gama, o casal Inácio e Margarida Santos começou em Tulare o primeiro programa de rádio em língua portuguesa nesta zona da Califórnia.  O programa Portugal teve grande sucesso e depois do casal Santos se aposentar, o programa continuou, com direção e locução de Joe Silva, que o modernizou e deu-lhe um cunho, e um estilo, bastante apelativo e de grande qualidade.  Tal como escreveu o Professor Doutor Eduardo Mayone Dias, no capitulo do seu livro A Presença Portuguesa na Califórnia, em 1939, tínhamos 13 programas de rádio em língua portuguesa no estado da Califórnia. E as cidades de Tulare/Hanford, e zonas circunvizinhas, tenham tido, ao longa da sua história de comunidades de origem portuguesa, uma longa e profícua relação com a rádio.  Desde 1937, portanto há 75 anos, que há rádio em português nesta zona.  Isto até há poucas semanas, quando a KIGS, a estação de rádio que transmitia em português 24 horas por dia, se silenciou. E agora a rádio será diferente.

            Cheguei aos Estados Unidos da América em Outubro de 1968.  Com dez anos de idade, o meu primeiro contacto com a nossa rádio foi em casa dos meus tios, José e Maria Toledo, (ambos já falecidos) quando sentados à mesa, após o jantar, ouvimos, em silencio total, o programa Ecos do Vale do casal Joaquim e Amélia Morisson.  Desde então que me tornei, particularmente na minha juventude, um ouvinte e fã da rádio em língua portuguesa neste centro/sul do Vale de São Joaquim.  Ouvi-as todos.  Tinha as minha preferências e anotava quase tudo do programa Ecos do Vale.  Os Morisson's eram os meus ídolos.  Tinham um português impecável, uma dicção imponente. 

            Com 18 anos, e com a irresponsabilidade e a irreverência de se ser jovem, atirei-me à rádio, e comecei, na estão KOAD de Lemoore, um programa de uma hora por semana, aos sábados de manhã, com o título: A Voz do Emigrante Português.  Daí passei para Tulare, para as estações KGEN e uns meses depois para a KCOK, onde o dito programa, passou a transmitir aos domingos entre as 6 e 7 da madrugada.  Com 20 anos de idade, e recém casado, a minha heroica e santa mulher, tinha a paciência de se levantar comigo, todos os domingos, às cinco da manhã, para irmos até à estação.  Eu fazia locução e ela atendia o telefone na secretaria.  Mais tarde veio a aventura da Rádio Aliança 80, em parceria com Joe Silva e Aires Madruga da Silva.  Um momento marcante na vida da rádio portuguesa desta zona, quer pela sua periodicidade (duas horas por dia), quer pela sua aposta numa programação baseada na informação e na formação.  Em 1982, entrei como um dos sócios (eramos dois) na rádio de circuito fechado: Rádio Clube Comunidade.  Um projeto único, ao qual dediquei quase dois anos da minha vida, e durante os quais, empobreci, economicamente, a minha família.  Em 1988, após uma ausência de cinco anos, apenas com alguma esporádica colaboração com a minha falecida, mas jamais esquecida amiga, Idalina Melo, no seu Aurora de Portugal, um dos programas mais populares aos domingos pela manhã, voltei à rádio.  Primeiro, com uma brincadeira semanal chamada, Rádio Lusíada.  Depois como um dos sócios-fundadores e o diretor de programação da KTPB.  Foi outra estação de circuito fechado, com a presença de quase todos os programadores independentes e trabalhando, no começo, 12 horas por dia, passando mais tarde para, 24 horas por dia.  Terminei essa aventura em Junho de 1993, quando decidi inscrever-me no ensino superior para fazer a minha formação académica, concluindo com um BA e um MA. 

            Porém, ainda no fim de 1993, cometi o erro de ser usado pela KIGS, fazendo, por uma mera gratificação mensal, um noticiário diário (segunda a sexta) com notícias locais ea duração de 8-10 minutos.  Digo erro, porque fui usado, pelos responsáveis, para criar ainda outra clivagem entre esta rádio e a KTPB.  É que em escassos meses foi me dito que não tinham dinheiro para me pagar.  Já se vê o truque!  Mais tarde, e por insistência do Padre Raul Marta, quando estava na mesa diretiva do Centro Português de Evangelização e Cultura fiz, mais uma vez de borla, e com a colaboração do Pde. Marta (nas conversas divergentes que tínhamos) um programa chamado Dimensão 2000.   Uma produção meramente cultural, que foi riscada da programação porque, como me foi dito: a comunidade não queria cultura.

            Daí que a rádio em língua portuguesa (como outras organizações comunitárias) tem sido uma componente importante da minha trajetória no estado da Califórnia.  A rádio fez parte intima da minha vida e, para bem, e para mal, fez parte da minha família durante muitos anos.  E nos últimos anos, particularmente na última década, tenho sido um observador atento da nossa rádio.  Com estas vivências, e com estas experiências, sinto-me, perfeitamente à vontade, para dissertar e comentar o estado da rádio em língua portuguesa nesta zona da Califórnia.  É que com o silencio da KIGS, que poderá ser apenas por pouco tempo, a comunidade local tem tido a rádio (ou a falta dela) como tema de conversa.  Culpa-se tudo e todos.  Atira-se pedras, mesmo quem tem telhados de vidro.  Diz-se que quem não ouve rádio local é porque não quer, porque está por aí na Internet.  Lamenta-se que já não haja rádio, mesmo por quem nunca a ouvia.  Alguns falam da falta de qualidade que tinha, outros de uma rádio, com base em Hanford/Visalia, ter virado as costas à comunidade local. Enfim, fala-se, até para não se estar calado, como nos diz o provérbio popular.

            O que é certo é que lá se foi a KIGS, e, repito, por quanto tempo ninguém o sabe.  O que é certo é que a comunidade, se quiser ouvir algo local, pelo menos com algumas notícias dos eventos da comunidade de Tulare e Hanford (e cidades limítrofes) terá que, ou ouvir os programas que estão na NET, ou ir às missas e aos clubes.  O que também é certo, e sejamos honestos, é que estas duas pequenas comunidades não têm o peso económico para manter uma rádio em português, numa antena livre, 24 horas por dia.  Nem tão pouco há ouvintes que se justifique semelhante investimento.

            A realidade é que a KIGS não tinha anúncios (ou tinha pouquíssimos) e os únicos que faziam alguns trocos eram os programadores independentes.  A realidade é que a comunidade de Tulare/Hanford (e quiçá muitas outras) está mais americana do que portuguesa, e conta-se, pelos dedos de uma mão, as pessoas com menos de 50 anos a ouvirem, religiosamente, todos os dias, e várias horas por dia, a rádio em língua portuguesa.  A comunidade está diferente e a rádio, não a soube, ou não a quis acompanhar.

            Compreendo o nosso gosto nostálgico pelo tempo que passou e que não volta.  Como humilde leitor do que se escreve sobre o nosso estado de alma, a nossa idiossincrasia lusitana, aceito este nosso êxtase pelo Sebastianismo.  Mas neste caso, tal como em tantos outros da nossa história, quer no nosso país da origem, quer nas nossas comunidades, D. Sebastião não voltará, nem resolverá os nossos dilemas.  A comunidade de Tulare/Hanford necessita, como já o fez em outros momentos da sua vida coletiva, de pegar, como dizem em termos taurinos: o touro pelos cornos, e baseada na sua realidade, tentar construir algo que possa servir as necessidades de termos uma voz, que esteja connosco, e que saiba servir os interesses da comunidade mais idosa e menos integrada e a mais nova e totalmente integrada. 

            Estou convicto que isso só se fará se as associações quiserem trabalhar em conjunto, e se a comunidade (com os seus líderes) quiser ser objetiva sobre si própria.      

sábado, 21 de julho de 2012

Eu, pecador, confesso que acredito nas Comunidades Portuguesas da Califórnia


Para criar inimigos, não é

necessário declarar guerra,

basta dizer o que se pensa.

Martin Luther King



            A epígrafe apareceu no facebook, como muitas coisas aparecem, algumas uteis e outras perfeitamente supérfluas e muitas completamente patéticas.  É assim o facebook, e em geral, as novas formas de se comunicar.  Porém, na sua totalidade são meios importantes e extremamente benéficos para a criação de um mundo e de comunidades em progresso.  Criei alguma empatia com a frase de Martin Luther King, um dos meus heróis do século vinte, porque através dos anos tenho, com as minhas humildes crónicas, e as minhas opiniões a favor do progresso humano e de uma comunidade de origem portuguesa mais integrada e mais aberta, criado, como é óbvio, alguns inimigos.  Mas diga-se que também tenho feito muitos amigos.  Porém, a verdade é que com uns e com outros ainda acredito na nossa comunidade.  Não tenho uma visão apocalíptica da mesma, nem tão pouco me comove a saudadesinha de um tempo já passado, que não foi assim tão bom.  Nem vejo a comunidade a morrer como apregoam vozes, quase sempre pertencentes a quem não se consegue ajustar às novas comunidades que despontam à nossa beira. 

            A minha história é análoga à de muita gente vinda dos Açores e que na Califórnia plantou raízes.  Vim dos Açores com 10 anos.  Meu pai sonhava com as "Califórnias perdidas de abundância" como nos diz Pedro da Silveira no seu emblemático poema.  Via o caso do meu avô materno (o meu grande amigo que me contava histórias do far west americano) que em 18 anos de América havia feito um bom pé de meia.  Numa era em que uma casa e alguns terrenos não dava para viver, meu pai, olhava para a América como um lugar onde se vinha, durante alguns anos, para se voltar com os trocos necessários para, como ele (meu pai) dizia: "endireitar a vida." Daí que, quando um tio meu, de visita aos Açores depois de meia dúzia de anos de América, numa viagem de saudade e de extravagancia, explica que a América é tudo o que dizem, e mais.  Que prefere estar na América a ordenhar vacas do que na Terceira a ver uma tourada (é verdade, disse-o, na minha frente), meu pai ficou pronto para dar o salto.   E o projeto de meia dúzia de anos tornou-se, tal como aconteceu com a maioria dos nossos emigrantes, numa vida em terras americanas.  Não só viveu na América desde os 38 anos, como foi a sepultar nesta terra com a idade de 72 anos.  Aqui está, para sempre.

            Desde os 10 anos que a minha vida tem sido a América, e na América as comunidades de origem portuguesa.  Nas escolas, o meu mundo foi sempre um mundo rodeado da nossa comunidade.  As várias escolas primárias e secundárias que frequentei eram o mundo americano salpicado com tonalidades açorianas.  É que, como meu pai trabalhava na agropecuária, uma industria cujos funcionários nas décadas de 1960 e 1970 eram maioritariamente emigrantes dos Açores, as escolas que frequentava estavam repletas de filhos de emigrantes ou de recém chegados como eu.   Depois veio o trabalho na ordenha das vacas, durante quase três anos, a passagem pelo comércio, o gosto pela rádio em língua portuguesa e daí o envolvimento direto na comunidade com a idade de 17 anos.  E tem sido na zona de Tulare, no centro-sul do vale de São Joaquim que tenho trabalhado, estudado, festejado, chorado, enfim, vivido a minha vida de ativista cultural dentro da comunidade e de humilde observador da mesma.  Mas viver na, e com a comunidade, não impede de estarmos presentes no mundo americano, de sermos plenos membros da sociedade onde vivemos, onde plantámos raízes e as regamos com o nosso trabalho, a nossa participação cívica e as nossas vivências culturais.  É o que fazem as nova gerações.  

            Em quatro décadas de América, rodeada de Açores por todos os lados, tenho visto as mudanças que as nossas comunidades de origem portuguesa têm vivido.  Tenho escrito sobre as mesmas.  É sabido que as comunidades de hoje não são as comunidades de ontem.  Não o podem ser.  Não o devem ser.  Mas não acredito que as comunidades estão envelhecidas, as pessoas sim, e demasiados dos nosso pseudo líderes é que estão velhos.   As comunidades têm a capacidade de se renovarem e vemos isso um pouco por toda a Califórnia.  Não serão as mesmas comunidades do fim do século XX e ainda bem, porque o mundo não é o mesmo, nem tão pouco a sociedade americana é a mesma.  Não se pode, nem se deve pensar as comunidades portuguesas da Califórnia, com os olhos postos no passado.  As comunidades fazem-se de formas múltiplas.  O mal de muitos dos nossos líderes é que ainda olham ao conceito de comunidades dentro de um círculo muito fechado, de um paradigma completamente ultrapassado.  Faz-se comunidade, e vive-se Portugal e os Açores na Califórnia, todos os dias, e nas mais variadas formas e nos mais variados lugares.  Basta abrir-se os olhos e querer ver que há outras formas de se ser e de se viver a comunidade muito além dos moldes tradicionais, e alguns, sobrepujados. 

            Daí, eu pecador, acreditar, veementemente, que as comunidades, apesar da falta de liderança, e de alguns (sejamos honestos) maus líderes que tivemos, e ainda temos, sobreviverão durante muitas décadas.  A metamorfose está aí.  Em  alguns casos estamos a aproveitá-la para a mudança, em outros isso não acontece, mas todas resistirão.  Acredito ainda que alguns dos dilemas que tivemos, e temos, foram provocados por esses líderes e pseudo-líderes.  Foi (ainda o é, infelizmente) mais do que comum que alguns líderes mantiveram lideranças autoritárias.  Diziam-se democratas mas não praticavam os princípios da democracia.  Houve lideres que fizeram obra interessante, mas ao saírem da chefia, da posição de presidente ou diretor, preferiram, ou abandonar por completo o projeto, ou escolher e apoiar substitutos sem qualificações e sem visão, porque essa foi (talvez ainda seja) uma forma de perpetuar a falsa aura com que se habituaram a viver nas comunidades e para alguns, mais importante, a imagem apócrifa que cultivaram em outras comunidades e até mesmo (muito mais importante para muitos) nos Açores e Portugal Continental.  Tivemos fundadores que depois afundaram (ou tentaram fazê-lo) as organizações que ajudaram a criar.  E diga-se, a bem da verdade, que tivemos excessivos líderes (será que ainda temos?) muito mais preocupados com o próximo jantar, a próxima visita efémera de um político, a próxima oportunidade de aparecerem no pódio com discursos circunstanciais e sem qualquer inquietude sobre a construção de uma comunidade dinâmica e multifacetada.  E houve também (talvez ainda haja) quem teve medo de homens e mulheres com outras visões, outra abertura, outra dinâmica, outra liberdade e até os tentasse punir com insinuações falsificadas e táticas perversas .  Conheço, perfeitamente, essas nojências, porque, como outras pessoas, vivi-as na pele. 

            Mas a comunidade é muito mais do que os nossos pseudo líderes querem ou gostariam que ela fosse.  Por cada pessoa que ainda diz Amem aos sotainas de ontem há outras que escolhem, vivem e trabalham consistentemente para a passagem, nas mais variadas vertentes, do nosso legado cultural no seio da modernidade do mundo estadunidense.  Peço desculpa a muitos dos nossos dirigentes que ainda estão no século XX, mas a comunidade de amanhã, que já está a construir-se hoje, mesmo que a queiram acorrentar com ideias do passado não se deixará controlar e fará comunidade, à sua maneira (e ainda bem), dentro do multiculturalismo americano. 

            Eu, pecador, acredito, que as novas comunidades, para desgosto de alguma gente, (assumida e auto-erguida nos seus altares com pés de barro), continuarão a viver a sua herança cultural com o seu passado histórico mas sem os apertos do pretérito.

           

            Diniz Borges

            Junho de 2012

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

a silly season nas comunidades luso-californianas e nos EUA

E tivemos mais uma silly Season. O termo apareceu nos finais do século XIX e significa as notícias frívolas que a comunicação social rebusca para preencher espaços de férias, em particular os meses de Julho e Agosto. É um termo conhecido e utilizado em grande parte do mundo ocidental. Silly season em inglês, la morte-saison em francês, rotmonadshistoria em sueco, ou mais venenoso o serpiente de verano em espanhol. O termo ainda hoje é utilizado, e até com uma leitura mais abrangente, ou seja: dá-se "desconto" ao que foi dito, por políticos, comunicadores, peritos, etc., porque estamos em período de férias, em período de silly season, e tudo, ou quase tudo, é permitido.
Como já entramos em Setembro, como já terminou, oficialmente, o espaço da silly season, recapitulo, alguns das disparate que li e ouvi, quer na comunicação social americana, quer na comunicação social de língua portuguesa, a primeira em jornais e televisão e a segunda na rádio e jornais. Eis pois a minha compilação para 2011, acompanhada dos seus respectivos factos, ou como se diz em inglês e, por inacreditável que pareça, também em Portugal - o fact check.
"A Igreja é que começou e sustentou a civilização ocidental." Tenho pena de informar quem o disse, e infelizmente foi um sacerdote, que sem retirar qualquer dos vários contributos importantes da Igreja Católica para a civilização ocidental, a mesma começou um pouco antes da Igreja Católica. É unânime entre os historiadores (muitos católicos praticantes) que a civilização ocidental começou com a Grécia e a Roma antiga, uns 800 anos antes de Cristo ter nascido. Através dos anos alguns dos grandes contributos para a chamada civilização ocidental, foram o racionalismo, o constitucionalismo, o renascimento, a reformação protestante, os descobrimentos, o iluminismo e claro as tensões entre a sociedade e a religião.
"Os problemas económicos de Portugal foram em grande parte provocados porque o país e a sua classe política gastou muito tempo a defender os direitos dos homossexuais e da mulher escolher ou não a interrupção da gravidez." Lamento informar os senhores que traçaram esta conversa que, e para usar a terminologia muito popular em Portugal, os problemas económicos que Portugal atravessa são, mais complicados do que o tempo que se gastou para defender os direitos das pessoas. Tentar culpabilizar a legislação que dá direitos às pessoas marginalizadas pelos problemas económicos que Portugal atravessa não só é simples como é uma grande mentira. Daí que não sei se esta conversa publica foi feita por velhacaria ou por ignorância, nem vou fazer qualquer juízo, porque nem sei qual é o pior. Ainda bem que foi em silly season e talvez mais ninguém a estivesse a ouvir.
"Salazar foi o único governante português que não perseguiu a Igreja." Francamente! Tenham dó! Então desde 1143 que a Igreja tem sido perseguida em Portugal? Em mais de 900 anos de história, o ditador de Santa Comba Dão, foi o único governante que não importunou a Santa Madre Igreja? Todos os outros reis, rainhas, primeiros-ministros, presidentes, passaram a sua vida a inquietar os crentes, incluindo nos tempos em que se queimou judeus que não se convertiam ao cristianismo. Se não tivesse ouvido não teria acreditado. bem haja o silly season.
"Os estragos feitos pelo sismo que abalou a Costa Leste dos EUA ao monumento Washington Memorial foram um castigo de Deus para a classe política americana." Para além da ruindade desta frase, piora por ter sido dita por um dos mais "conceituados" líderes do protestantismo americano. O problema não só reside na frase como onde a mesma vai bater. É que num momento em que os nossos governantes, apesar de todas as guerras e batalhas, terão que tomar decisões que afectarão a América por várias gerações, dizer um despautério destes, mesmo em silly season, é estar cheio de malignidade.
"O Presidente Obama deveria ter vergonha ao tirar férias durante esta crise. O Presidente tem tido muitas férias." Este testemunho dum líder Republicano é daqueles que se espera, mas que num mundo civilizado já não tem cabimento. O que este líder se esqueceu de dizer ao acusar Barack Obama de ter tido demasiadas férias é que desde que entrou para a presidência dos EUA teve 61 dias de férias. Muitos dias, não? No mesmo espaço de tempo, o patriarca dos conservadores, Ronald Reagan tinha tirado 112 dias de férias e o antecessor de Barack Obama, George W. Bush tinha tirado 180 dias de férias. Mas este último até tínhamos ganhado mais de tivesse tirado 8 anos de férias. É que teríamos tido menos guerras e menos estragos à economia americana.
"Não, por mim acho que a comunidade portuguesa está muito politizada. Os portugueses conseguiram aqui na Califórnia o que mais ninguém conseguiu." Esta dita por alguém que não vive cá nas nossas comunidades. Foi afirmação de um visitante. Primeiro e diga-se a bem da verdade que até gostamos de ouvir estas declarações. Fazem bem ao nosso ego. Estimulam a nossa auto-estima. Mas a verdade é que, infelizmente, a nossa comunidade da Califórnia não tem a influência que necessitava ter no mundo da política e com o passar de cada ano perdemos ainda mais essa mesma influência. A verdade é que não remota tempos muito distantes que tivemos 5 indivíduos de origem portuguesa na legislatura em Sacramento, dois no Senado e três na Assembleia. A verdade é que agora temos apenas um, o qual acaba de anunciar que vai sair porque quer concorrer ao Congresso, porque nas suas palavras: "quero estar num hemiciclo onde o meu partido está na maioria." Nem que a maioria do Partido Republicano no Congresso fosse um dado adquirido, algo permanente. Digresso! Voltemos à frase de estarmos politizados como ninguém e termos conseguido o que mais ninguém conseguiu. Penso que o pior que nos acontecerá é acreditarmos nestas fábulas. É bom que como comunidade estejamos com os pés no chão e conscientes do que fomos, somos e do muito que temos que trabalhar e construir para que fiquemos mais "politizados" e tenhamos as bases construídas em alicerces fortes, para podermos passar o nosso legado cultural às próximas gerações. E já agora, com o sem silly season, não seria má ideia dizermos a quem nos visita que, com todo o respeito, somos gente grande, baptizada e criada, e que conhecemos muito bem os triunfos e os desafios das nossas comunidades na Califórnia. Aliás não teria sido má ideia ter relembrado a quem o disse, e que sirva para quem o vier a dizer, a frase de um dos pilares da filosofia ocidental que viveu uns anitos antes do nascimento de Jesus Cristo, Aristóteles: "deixe que cada um exercite a arte que conhece."
Sim, mesmo em silly season, quem cá vive, trabalha, cria as suas famílias, lê, reflecte e preocupa-se com as nossas comunidades de hoje e de amanhã, é que deve ter uma palavra a dizer. E temos gente por aí que o faz constantemente, e outros que embora não o tenham feito publicamente até o sabem fazer e muito bem. Mais, com ou sem silly season, seria bom que no seio das nossas comunidades tivéssemos mais gente a pensar as comunidades e menos a utilizar as praças públicas para nos elevarem a uma postura que não temos, nem nunca teremos, se formos a acreditar em ficções de falsos profetas que infelizmente existem em ambos os lados do Rio Atlântico.

sábado, 30 de outubro de 2010

O Dito por Não Dito

Depois de ter anunciado que teríamos um política de ensino da língua e cultura portuguesas para os EUA, Canadá e Venezuela, com o Instituto Camões a ouvir parceiros e a pôr em prática essa política com estratégias e programas específicos à nossa realidade, o Secretário de Estado das Comunidades acaba de chumbar tudo. A culpa: o estado da economia portuguesa.
Em 2009, o Secretário de Estado das Comunidades, António Braga, que tutela o Instituto Camões, anunciou que a rede do EPE (Ensino de Português no Estrangeiro), em funcionamento há anos na Europa e na África do Sul, iria ser alargada aos Estados Unidos, ao Canadá e à Venezuela. Agora dá o dito por não dito. A notícia dada pela agência LUSA a 27 de Outubro (portanto há poucos dias) com o título: Orçamento do Instituto Camões impede alargamento da rede do português no estrangeiro, é indicativa que em Portugal, desde governo a sindicatos, ninguém vê as comunidades para além da Europa. Aliás, já o tinha vivido na pele quando estive no Conselho Das Comunidades Portuguesas, e foi uma das razões porque não me recandidatei.
Segundo foi anunciado pelo sindicalista João Dias da Silva, o Instituto Camões vai ter uma redução no seu orçamento, daí que terá, segundo disse à LUSA " de gerir melhor o menos dinheiro que vai ter, garantindo sempre que tem de haver oferta de EPE com qualidade”. Claro que esqueceu-se de dizer, ensino da língua portuguesa, pago pelo governo português, para a Europa e apenas para a Europa. Portanto, uma redução no orçamento não significa que haverá reduções na Europa, para se implementar a rede nos EUA, no Canadá e na Venezuela, significa sim que a Europa tem supremacia e os emigrantes e luso-descedentes nos Estados Unidos, no Canadá e na Venezuela, continuarão como emigrantes e luso-descendentes de segunda classe. Nem que não o soubéssemos. Nem que não fossemos, na vasta maioria, gente descendente de ilhéus, dos Açores, bem longe do terreiro do Paço.
É do conhecimento geral que Portugal atravessa uma grande crise (económica e identitária) e que a ordem do dia é reduzir nos gastos públicos. Porém, se o Senhor Secretário de Estado das Comunidades quisesse ser justo, retiraria uma fatia do bolo à Europa e implementaria, mesmo em menor escala, a rede nos EUA, Canadá e Venezuela. Mas pedir justiça a este Secretário de Estado é pedir demais. Já há muito que sabemos que é uma palavra que não utiliza, não a conhece.
Sabe-se também que os votos aqui no continente norte-americano, para as legislativas portuguesas, não são muitos, e cada vez serão menos, mas a implementação de uma rede de ensino jamais deveria estar relacionada com os votos que se possa, ou não, conseguir para os deputados pela emigração para a Assembleia da Republica.
Sabe-se ainda que nas nossas comunidades, infelizmente, pouco ou nada se dirá sobre o assunto. Os nossos líderes, mais preocupados com a corrida às condecorações, continuarão a convidar o senhor Secretário de Estado para os seus banquetes, desfiles e romarias. E ele aceitará e numa viagem à América gastará o suficiente para se colocar livros adequados em várias escolas comunitárias.
Esta medida não vem matar o ensino da língua e cultura portuguesas nos EUA e Canadá. Nem por sonhos. Desde sempre, que o ensino da nossa língua e cultura passa pelo esforço das comunidades, dos professores, e de alguns líderes (muito poucos) cuja visão vai além do vedetismo que andam a procurar e que, infelizmente, estraga muita gente. Porém, há que ser-se realista: se queremos a perseverança da nossa língua e a nossa cultura temos que ter escolas que a ensinem. É que o nosso movimento associativo ainda não compreendeu que sem estabelecimentos de ensino, onde a nossa língua e a nossa cultura estejam presentes, as comunidades, pouco a pouco desaparecerão, ficarão diluídas no "melting pot" americano.
Utilizando uma metáfora terceirense: há que pegar o touro pelos cornos. Há que pegar no futuro das comunidades, hoje. Há que o fazer sem o paternalismo e a condescendência das entidades portuguesas. E há que ornamentar as nossas festas com o que temos de bom nas nossas comunidades. Aliás, não seria má ideia que cada vez que acharmos por bem convidar um político para os nossos eventos, convidássemos um politico do mundo norte-americano, mundo esse, quer queiramos, quer não, somos parte integrante, ou pelo menos é o mundo das novas gerações, das comunidades do amanhã de manhã.

sábado, 5 de junho de 2010

À beira do fim de mais um ano lectivo

Aqui em Tulare, longe de muitos dos barulhos que se fazem no mundo de hoje, dou aulas de língua e cultura portuguesas numa escola secundária e no “community college” –um tipo de escola de educação superior, que como poderão saber, são, para quem quer tirar uma licenciatura, os primeiros dois anos dum curso universitário. É que Deus proíba de alguém em Portugal dizer que um “community college” é uma universidade, porque dentro da comunidade poderá cair o “Carmo e a Trindade.” Mas dizia eu, que aqui nesta pacata cidade, onde quase nada acontece (e por um lado, ainda bem), temos realizado nas últimas semanas alguns eventos que envolvem os nossos alunos de língua e cultura portuguesas, no ensino secundário, e particularmente os que fazem parte da associação estudantil SOPAS—Society of Portuguese-American Students. Têm sido actividades de índole cultural, básicas, claro, mas que tentam congregar à volta do futuro da comunidade, a juventude, e no seu próprio ambiente, na escola que frequentam todos os dias, a nossa cultura, os nossos costumes, a nossa gastronomia, a nossa música, as nossas tradições.
São pequenos fragmentos das nossas vivências culturais, trazidos pelos pais ou avós (na vasta maioria avós e bisavós) destes alunos, vivências já mescladas com as cores dum inevitável americanismo, mas que na sua essência, possuem elementos fulcrais da identidade cultural luso-americana. São acontecimentos dentro das instalações escolares, ou em outros espaços do “mainstream” americano, para que os jovens possam compreender que a cultura, nos seus vários espaços, pode ser vivida, quotidianamente, não importa onde estejamos. E que para se celebrar o nosso legado cultural não precisamos de estar num espaço fechado. Num espaço que queremos que seja só nosso e de mais ninguém. Um espaço que não pode ser penetrado por outros grupos étnicos. É que apesar dos anos e das novas gerações esatrem mais libertas, a nossa liderança comunitária ainda tem cheiro a mofo de sacristia.
Os jovens, no seu espírito rebelde e irreverente, começam pouco a pouco a descobrir que no mundo americano, o seu mundo, e quer queiramos quer não o nosso mundo (refiro-me à geração que de Portugal emigrou muito nova e já está integrada, pelo menos a nível profissional, no “mainstream” americano), há espaço para celebrarmos, melhor vivermos (com o seu próprio tempero) sem dramatizações nem preconceitos, o nosso próprio legado cultural.
E por acreditar nos ideais de uma América multicultural, das potencialidades de uma juventude americana de ascendência portuguesa consciente da sua identidade, preparada para a viver no seu dia a dia, sem ficar circunscrita aos tradicionais guetos sociais das comunidades, o seu legado cultural, dedico as horas que posso, e que vão um bocado além da obrigação profissional (mas nunca me queixei disso, nem nunca me queixarei), para que ao longo do ano escolar, se façam várias actividades extra-curriculares promovend a cultura portuguesa. Para que a nossa juventude, par a par com os jovens de outras vivências culturais, possam estar preparados para a comunidade que se avizinha. É que a história dos grupos étnicos nos Estados Unidos, particularmente dos Europeus é extremamente clara: só quem tem capacidade de ir além do seu próprio gueto, seja ele físico ou social, é que tem sobrevivência cultural.
Nada disto, nestes reflexos, é verdadeiramente novo, mas em fim de ano lectico é bom que entre os jantares e os doces, numa época em que as famílias se reúnem para celebrarem as passagens de ano e as formações dos seus filhos e netos, porque não reflectirmos um pouco esta realidade que nos entra pelos olhos dentro, diariamente, mas que ainda não quisemos interiorizar: o nosso mundo de está cada vez mais americano, salpicado com algumas tonalidades portuguesas. Mas isso não é uma tragédia, aliás, só o será se persistirmos a fazer as mesmas coisas que fazíamos há 20 ou 25 anos, quando a comunidade era bastante diferente.
Repito o que já disse ad nauseum: as comunidades de origem portuguesa, como nós as conhecíamos há um quarto de século estão com os seus dias contados. Dentro das nossas organizações há que termos um espírito de abertura, de mudança e de novidade. Nas comunidades onde existem processos para se passar o nosso legado cultural através do mundo norte-americano, sem termos que estar fechados numa garagem, num quarto solitário, ou num espaço que é só nosso e de mais ninguém—há que aproveitarmos essas possibilidades, de estarmos preparados para que a cultura, as vivências culturais, tenham raízes suficientemente fortes para que possam crescer em outras latitudes, no seio de outras culturas e misturarem-se com outras experiências culturais.
Ouço por toda a parte o orgulho de ser português ou de se ser americano de ascendência portuguesa. Porém, é sabido que em muitos casos, e particularmente nos que têm responsabilidades nas nossas associações, isso não passa de um simples inchaço—um orgulho banal que, infelizmente só serve para alimentar, como ouvi algures: egos gigantescos de mentes minúsculas. Tenho alguma dificuldade em aceitar que no seio das nossas associações culturais, como assim se auto-dominam, haja mesmo esse orgulho (no bom sentido da palavra, porque é uma palavra bastante perigosa), quando os próprios responsáveis dessas associações não se cultivam cultural e intelectualmente, e até se prezam em diminuir quem o faz. Vejamos: quais dos directores das ditas associações se esforça para saber a história dos seus antepassados? Quantos tentam aperfeiçoar os seus conhecimentos culturais aprendendo o valor das artes, de todas as artes, desde a literatura às artes plásticas, da música (toda a música e não só a tradicional) à gastronomia. Quais os que gastam tempo e energia num debate sério, honesto e descomplexado sobre as nossas vivências culturais, o que foram, o que são e o que poderão ser? Quem é que quer pensar a sério sobre o futuro da língua e cultura portuguesas neste estado?
São reflexos num ano escolar que termina e duma comunidade que se gera, sem sabermos bem como havemos de lidar com ela. Mas não é assim tão dificultoso, apenas exige que sejamos cultos, que aceitemos a mudança, que tenhamos coragem de penetrarmos o “mainstream” americano, que utilizemos os espaços e as oportunidades que as instituições públicas desta sociedade nos oferecem, que não fiquemos pelas nossa tradicional letargia, que imaginemos as nossas raízes culturais em outras latitudes.