sexta-feira, 16 de setembro de 2011

a silly season nas comunidades luso-californianas e nos EUA

E tivemos mais uma silly Season. O termo apareceu nos finais do século XIX e significa as notícias frívolas que a comunicação social rebusca para preencher espaços de férias, em particular os meses de Julho e Agosto. É um termo conhecido e utilizado em grande parte do mundo ocidental. Silly season em inglês, la morte-saison em francês, rotmonadshistoria em sueco, ou mais venenoso o serpiente de verano em espanhol. O termo ainda hoje é utilizado, e até com uma leitura mais abrangente, ou seja: dá-se "desconto" ao que foi dito, por políticos, comunicadores, peritos, etc., porque estamos em período de férias, em período de silly season, e tudo, ou quase tudo, é permitido.
Como já entramos em Setembro, como já terminou, oficialmente, o espaço da silly season, recapitulo, alguns das disparate que li e ouvi, quer na comunicação social americana, quer na comunicação social de língua portuguesa, a primeira em jornais e televisão e a segunda na rádio e jornais. Eis pois a minha compilação para 2011, acompanhada dos seus respectivos factos, ou como se diz em inglês e, por inacreditável que pareça, também em Portugal - o fact check.
"A Igreja é que começou e sustentou a civilização ocidental." Tenho pena de informar quem o disse, e infelizmente foi um sacerdote, que sem retirar qualquer dos vários contributos importantes da Igreja Católica para a civilização ocidental, a mesma começou um pouco antes da Igreja Católica. É unânime entre os historiadores (muitos católicos praticantes) que a civilização ocidental começou com a Grécia e a Roma antiga, uns 800 anos antes de Cristo ter nascido. Através dos anos alguns dos grandes contributos para a chamada civilização ocidental, foram o racionalismo, o constitucionalismo, o renascimento, a reformação protestante, os descobrimentos, o iluminismo e claro as tensões entre a sociedade e a religião.
"Os problemas económicos de Portugal foram em grande parte provocados porque o país e a sua classe política gastou muito tempo a defender os direitos dos homossexuais e da mulher escolher ou não a interrupção da gravidez." Lamento informar os senhores que traçaram esta conversa que, e para usar a terminologia muito popular em Portugal, os problemas económicos que Portugal atravessa são, mais complicados do que o tempo que se gastou para defender os direitos das pessoas. Tentar culpabilizar a legislação que dá direitos às pessoas marginalizadas pelos problemas económicos que Portugal atravessa não só é simples como é uma grande mentira. Daí que não sei se esta conversa publica foi feita por velhacaria ou por ignorância, nem vou fazer qualquer juízo, porque nem sei qual é o pior. Ainda bem que foi em silly season e talvez mais ninguém a estivesse a ouvir.
"Salazar foi o único governante português que não perseguiu a Igreja." Francamente! Tenham dó! Então desde 1143 que a Igreja tem sido perseguida em Portugal? Em mais de 900 anos de história, o ditador de Santa Comba Dão, foi o único governante que não importunou a Santa Madre Igreja? Todos os outros reis, rainhas, primeiros-ministros, presidentes, passaram a sua vida a inquietar os crentes, incluindo nos tempos em que se queimou judeus que não se convertiam ao cristianismo. Se não tivesse ouvido não teria acreditado. bem haja o silly season.
"Os estragos feitos pelo sismo que abalou a Costa Leste dos EUA ao monumento Washington Memorial foram um castigo de Deus para a classe política americana." Para além da ruindade desta frase, piora por ter sido dita por um dos mais "conceituados" líderes do protestantismo americano. O problema não só reside na frase como onde a mesma vai bater. É que num momento em que os nossos governantes, apesar de todas as guerras e batalhas, terão que tomar decisões que afectarão a América por várias gerações, dizer um despautério destes, mesmo em silly season, é estar cheio de malignidade.
"O Presidente Obama deveria ter vergonha ao tirar férias durante esta crise. O Presidente tem tido muitas férias." Este testemunho dum líder Republicano é daqueles que se espera, mas que num mundo civilizado já não tem cabimento. O que este líder se esqueceu de dizer ao acusar Barack Obama de ter tido demasiadas férias é que desde que entrou para a presidência dos EUA teve 61 dias de férias. Muitos dias, não? No mesmo espaço de tempo, o patriarca dos conservadores, Ronald Reagan tinha tirado 112 dias de férias e o antecessor de Barack Obama, George W. Bush tinha tirado 180 dias de férias. Mas este último até tínhamos ganhado mais de tivesse tirado 8 anos de férias. É que teríamos tido menos guerras e menos estragos à economia americana.
"Não, por mim acho que a comunidade portuguesa está muito politizada. Os portugueses conseguiram aqui na Califórnia o que mais ninguém conseguiu." Esta dita por alguém que não vive cá nas nossas comunidades. Foi afirmação de um visitante. Primeiro e diga-se a bem da verdade que até gostamos de ouvir estas declarações. Fazem bem ao nosso ego. Estimulam a nossa auto-estima. Mas a verdade é que, infelizmente, a nossa comunidade da Califórnia não tem a influência que necessitava ter no mundo da política e com o passar de cada ano perdemos ainda mais essa mesma influência. A verdade é que não remota tempos muito distantes que tivemos 5 indivíduos de origem portuguesa na legislatura em Sacramento, dois no Senado e três na Assembleia. A verdade é que agora temos apenas um, o qual acaba de anunciar que vai sair porque quer concorrer ao Congresso, porque nas suas palavras: "quero estar num hemiciclo onde o meu partido está na maioria." Nem que a maioria do Partido Republicano no Congresso fosse um dado adquirido, algo permanente. Digresso! Voltemos à frase de estarmos politizados como ninguém e termos conseguido o que mais ninguém conseguiu. Penso que o pior que nos acontecerá é acreditarmos nestas fábulas. É bom que como comunidade estejamos com os pés no chão e conscientes do que fomos, somos e do muito que temos que trabalhar e construir para que fiquemos mais "politizados" e tenhamos as bases construídas em alicerces fortes, para podermos passar o nosso legado cultural às próximas gerações. E já agora, com o sem silly season, não seria má ideia dizermos a quem nos visita que, com todo o respeito, somos gente grande, baptizada e criada, e que conhecemos muito bem os triunfos e os desafios das nossas comunidades na Califórnia. Aliás não teria sido má ideia ter relembrado a quem o disse, e que sirva para quem o vier a dizer, a frase de um dos pilares da filosofia ocidental que viveu uns anitos antes do nascimento de Jesus Cristo, Aristóteles: "deixe que cada um exercite a arte que conhece."
Sim, mesmo em silly season, quem cá vive, trabalha, cria as suas famílias, lê, reflecte e preocupa-se com as nossas comunidades de hoje e de amanhã, é que deve ter uma palavra a dizer. E temos gente por aí que o faz constantemente, e outros que embora não o tenham feito publicamente até o sabem fazer e muito bem. Mais, com ou sem silly season, seria bom que no seio das nossas comunidades tivéssemos mais gente a pensar as comunidades e menos a utilizar as praças públicas para nos elevarem a uma postura que não temos, nem nunca teremos, se formos a acreditar em ficções de falsos profetas que infelizmente existem em ambos os lados do Rio Atlântico.